O vitiligo ganhou destaque no Brasil com a participação de Natália Deodato no “BBB 22”. Dentro e fora do reality show, a modelo fala abertamente sobre sua condição e dá exemplo de autoaceitação e amor-próprio. “Se amar não é uma tarefa fácil! Mas eu decidi me amar em cada detalhe, e por estar ‘fora do padrão’ tenho que me amar ainda mais”, escreveu ela em uma publicação feita nas redes sociais.
A representatividade de Natália no programa trouxe à tona o preconceito e desinformação acerca da doença, que afeta mais de um milhão de brasileiros, segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). Para desmistificar e esclarecer as dúvidas sobre essa condição, a IstoÉ falou com especialistas no assunto.
O que é e como “contrai” vitiligo?
Vitiligo não se contrai, como um vírus, porque se trata de uma doença autoimune, não contagiosa. “É caracterizada pela perda da coloração da pele. As lesões formam-se devido à diminuição ou à ausência de melanócitos (células responsáveis pela formação da melanina, pigmento que dá cor à pele) nos locais afetados”, esclarece a SBD-SP.
A dermatologista Juliana Neiva explica que essa condição considerada autoimune tem relação com fatores emocionais, genéticos e com estados imunológicos. No entanto, a psicóloga e psicanalista Márcia Tolotti destaca que, embora os fatores emocionais possam promover o desenvolvimento da doença, não significa que trabalhar psicologicamente uma pessoa com diagnóstico positivo resultará na autocura.
Existem diferentes classificações da doença. “Pode ser segmentada ou unilateral, quando só se manifesta em uma parte do corpo e também pode atingir o cabelo; ou não-segmentar e bilateral, sua manifestação mais comum, em que afeta os dois lados do corpo e é geralmente marcada por lesões nas extremidades, como pés, mãos, boca”, esclarece a médica.
O vitiligo não tem predileção por cor de pele, raça ou gênero. “A diferença é que o contraste é maior nas peles mais escuras, deixando as lesões mais evidentes”, declara a dermatologista Juliana Piquet, que ainda destaca ser possível nascer com propensão genética a desenvolver a doença, que costuma aparecer nas duas primeiras décadas de vida.
Segundo Piquet, essa condição também pode estar associada a outras doenças autoimunes, não necessariamente de pele — as mais comuns são: tireoidite de Hashimoto (também conhecida como tireoidite crônica), alopecia areata, diabetes tipo 1, anemia perniciosa e doença celíaca.
Cuidados especiais e tratamento
A pele das regiões acometidas pela doença é mais sensível, por isso Juliana Neiva reforça a importância da fotoproteção e hidratação diária. Ela também destaca a necessidade de seguir à risca as orientações médicas, que são individuais, conforme o quadro clínico de cada paciente.
Além da manutenção dos cuidados em casa, é imprescindível manter as consultas dermatológicas em dia para o acompanhamento, mesmo que não haja medicação desenvolvida e aprovada especificamente para o tratamento de vitiligo.
Juliana Piquet diz que para casos instáveis e localizados o tratamento padrão costuma ser feito com corticoides e inibidores de calcineurina de uso tópico. Enquanto quadros instáveis e generalizados tendem a ter tratamento inicial com minipulsos de corticoide oral. “Existe também a fototerapia UVB de banda estreita, usada para representação, enquanto a modalidade cirúrgica é utilizada em casos estáveis”, explica.
A médica afirma que pacientes diagnosticados com a doença tendem a conviver com a condição pelo resto da vida. “Uma lesão pode sumir, e outra surgir. Não existe um mesmo tratamento ideal para todos, pois até mesmo diferentes áreas em um mesmo paciente podem responder de formas distintas ao tratamento.”
Para finalizar, Piquet aconselha evitar fatores que possam precipitar o surgimento de novas lesões ou piorar as existentes, como traumas locais — como o uso de roupas apertadas ou que provoquem atrito na pele — e estresse emocional, que deve ser controlado e evitado sempre que possível.
Representatividade de Natália Deodato
Além de todos os cuidados dermatológicos, é imprescindível atenção à saúde mental e emocional, afinal, o vitiligo não apenas causa consequências à pele, como também ao psicológico. Portanto, trabalhar a autoaceitação e amor-próprio é fundamental.
Neiva acredita na importância de unir a dermatologia convencional ao fator emocional e social e, eventualmente, a tecnologia. “Nós como especialistas, devemos ser porta-vozes desse autocuidado e aceitação, que juntos com a indicação dos melhores tratamentos fazem uma grande diferença para o paciente”, pondera.
O vitiligo ainda é motivo de preconceito, e pessoas nessa condição são vistas como “fora do padrão”, o que as traz uma série de consequências em todos os quesitos. A participação de Natália Deodato no “BBB 22” abre espaço para informação, representatividade e reforça a beleza e força individual, independentemente da circunstância.
“Uma pessoa como a Natália, que aparenta um equilíbrio emocional muito adequado na relação com sua doença, proporciona uma identificação para esses milhões de brasileiros que agora mesmo, provavelmente, estão tentando esconder sua pele”, diz a psicóloga e psicanalista Márcia Tolotti.
Segundo a especialista, a presença da modelo em rede nacional serve de inspiração e esperança. “Quando nos identificamos com alguém que representa sucesso, superação e força, acabamos ‘tomando emprestado’ esses atributos”, explica, e completa: “A Natália pode representar para muitos portadores de vitiligo uma possibilidade de também ter sucesso, superação e força, aceitando e não escondendo a condição de vida que possuem”.
No entanto, quem a vê e acompanha seu discurso e atitudes de autoaceitação e amor-próprio, não imagina que foi um processo doloroso. Em uma publicação no Instagram, a modelo fala sobre a descoberta da doença: “Inicialmente foi muito difícil para mim. Me odiei, achando aquilo assustador. Me fechei para o mundo, evitando a rejeição e os olhares maldosos”.
A sister continua dizendo que compreendeu ser diferente e, mesmo sendo “assustador” e “doloroso”, se aceitar foi transformador — e necessário. “Me reinventei, tirei forças de onde nem imaginava e aceitei o convite do amor! Me acolhi… me aceitei! A partir daí, comecei a enxergar ‘esse meu jeito de ser diferente’, como uma transformação social para o meu trabalho.”
Márcia destaca que a imagem de Natália Deodato e sua alta autoestima estrutura, em algum grau, o psiquismo de quem se percebe representado por ela, fortalecendo a identidade de cada um.
A especialista lista algumas ações que podem ajudar no processo de diagnóstico da doença e autoaceitação:
• Antes de aceitar o diagnóstico, é preciso aceitar e querer bem a si mesma, independente e além da condição da pele;
• Fazer um inventário mental listando as próprias qualidades e repetir com frequência para que a mente e o coração não “esqueçam de quem se é”;
• Afastar o pensamento crítico e negativo em relação à aparência toda vez que a mente for invadida por ele;
• Se autorizar a viver em sua plenitude.
Segundo a psicóloga, além dessas ações, a terapia também é uma aliada no processo, pois ajuda a aliviar o sofrimento e ampliar as defesas para conseguir “sentir menos” os olhares e as falas preconceituosas, bem como auxilia a atenuar a autocrítica comum dos portadores de vitiligo. “A autocrítica é a maior inimiga. Se as emoções não causam vitiligo, fatores estressores e graves sofrimentos podem desencadear esse ‘fenômeno’ que deixa a pele tingida e a cabeça ‘bagunçada’”, diz.
Embora a terapia seja um método fundamental, vale aliá-la a outros tratamentos ou ações, “como cuidar da pele com carinho, praticar atividade física prazerosa, meditar e desenvolver espiritualidade, porque somos muito além do corpo que habitamos”, conclui Márcia.